Contadores não podem incentivar oposição à taxa assistencial, orienta Ministério Público

Brasília-DF, sábado, 23 de novembro de 2024


Brasília, terça-feira, 16 de julho de 2024 - 15:52      |      Atualizado em: 17 de julho de 2024 - 19:51

Contadores não podem incentivar oposição à taxa assistencial, orienta Ministério Público

Normativa publicada pelo MPT visa coibir prática lesiva aos trabalhadores. E esclarece ainda que se trata de garantia representativa dos sindicatos reconhecida pela Suprema Corte

A medida está na Recomendação MPT/PRT15 nº 213502.2024, da PRT (Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região), Campinas-SP, que identificou indícios dessa prática por parte de contabilistas no estado de São Paulo. Para o SAEP, atuação do órgão é necessária em respeito ao direito à representação e defesa dos trabalhadores. 

“Quando estamos unidos em torno de proposta de acordo coletivo é que temos mais força para barrar abusos e assegurar o cumprimento de direitos, que, muitas vezes, sozinho, o trabalhador não teria consciência de estarem suprimidos, negados”, pondera a presidente do SAEP, Maria de Jesus. 

Maria ressalta ainda que os sindicatos são ferramentas fundamentais de luta e garantia de direitos. E o debate coletivo em torno de propostas trabalhistas só fortalecem os pleitos, com garantia de legalidade em toda a ação e de todos os lados.

Por meio de sua Assessoria de Imprensa, a PRT15 informou que realizou reuniao com as principais Centrais Sindicais que atuam em São Paulo para tratar do problema. A Procuradoria chegou a receber denúncias dessas coações.

Segundo o MPT de Campinas-SP, empregadoras teriam até dispensado trabalhadores de bater o ponto, para que eles fossem ao sindicato apresentar a carta de oposição. "Em alguns casos denunciados ao MPT de Campinas-SP, os contadores até forneceram modelo de carta de oposição aos trabalhadores e os orientaram a ir até o sindicato apresenta-las", destacou o órgão.


Papel do MPT

Diante dos fatos, Maria observa a Recomendação como passo e iniciativa importante na proteção de direitos. “Essa atuação vinda do Ministério Público do Trabalho em Campinas reforça a conscientização de que sozinhos não vamos longe, precisamos manter estrutura mínima, coletiva, de apoio mútuo”, reforça a presidente Maria.

Em cumprimento da função atribuída ao Ministério Público do Trabalho de “atuar na promoção, efetivação e concretização da liberdade sindical”, a PRT15 alertou, ainda, os conselhos Federal de Contabilidade e Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo — este último, o destinatário da documentação — para que divulguem a medida.


Proteção constitucional e internacional

“A liberdade sindical é garantia constitucional”, ressalta o documento assinado pelo coordenador da Conalis (Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical e do Diálogo Social), procurador do Trabalho Elcimar Rodrigues Reis Bitencourt. 

Direito tutelado em nível internacional, previsto em normas como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho), Pacto de San José da Costa Rica e Declaração Sociolaboral do Mercosul.

Portanto, no entendimento da Procuradoria, deve ser preservado e deve ficar ao alcance coletivo de toda a categoria, que é atribuído aos acordos em negociação coletiva, mediante a representação sindical. 

E a manutenção da contribuição assistencial é meio de promover essa estrutura, conforme já compreendido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), no Tema 935.

A Conalis entende que a liberdade sindical é essencial na promoção da dignidade do trabalhador e conta com o projeto Liberdade Sindical Sob a Ótica dos Atos Antissindicais. Para a Coordenadoria, "a apresentação da oposição ao pagamento da contribuição assistencial é um direito individual e personalíssimo do trabalhador, não cabendo ao empregador ou terceiro interferir nessa decisão".

Devido aos casos relatados, o MPT em Campinas-SP decidiu "recomendar e orientar os contadores do estado de São Paulo a não praticar as condutas denunciadas pelas Centrais Sindicais, sob pena de eles — os contadores — também serem responsabilizados pela prática do ato antissindical previsto no artigo 2º da Convenção 98 da OIT", informou a Procuradoria à reportagem.

A orientação do órgão alcança municípios do interior de São Paulo e litoral Norte.


Entendimento do STF

Em setembro de 2023, a Suprema Corte julgou procedente a cobrança de contribuição assistencial, ainda que de trabalhadores não sindicalizados, mas representados pela categoria. 

A dúvida surgiu após as alterações na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) vindas com a Reforma Trabalhista - Lei 13.467/17 -, que tornou o chamado “imposto sindical” facultativo. O que exauriu os recursos financeiros dos sindicatos

O entendimento dos magistrados prezou a importância do custeio das entidades, que no contexto jurídico representam opção a mais de negociação e de instância de deliberação.

Com isso, o STF fixou a seguinte Tese 935: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.


Manifestação voluntária

Desse modo, a Corte reconheceu a livre e voluntária manifestação de vontade por parte dos trabalhadores. Porém, o que não pode ocorrer é a interferência nesse direito, que, reconhecidamente, interfere na “capacidade de atuação e agrupamento sindical, circunstância que, em síntese, afeta o poder de defesa e representação sindical e ofende, portanto o artigo 8º, inciso III da CF/88 e a liberdade sindical”, conforme diz a Recomendação MPT/PRT15.

A normativa do MPT cita ainda que aquele que incentivar oposição à contribuição assistencial comete “ato antissindical contra entidades sindicais e sua organização”. O que configura, ainda, “indevida ingerência patronal que visa enfraquecer a representação dos trabalhadores”.

O impacto seria sentido pelos próprios trabalhadores, beneficiários dos serviços das entidades. Diante dos fatos, a Conalis ainda se posicionou na defesa da "independência financeira dos sindicatos como imprescindível para a concretização da liberdade sindical, pois a capacidade econômica da entidade guarda relação direta com a potencialidade de sua atuação", explicou.

Isto se traduz, segundo a Coordenadoria do MPT, por meio da contratação de bons advogados para atuarem na elaboração de acordos com empregadores, na própria contratação de contadores, negociadores, na disponibilização de imóvel e móveis para o atendimento, mídias sociais para comunicação com a categoria.

Além disso, a Conalis ponderou que as entidades oferecem "cursos, realização de seminários, assembleias, campanhas salariais, protestos, greves, despesas com empregados, enfim, toda infraestrutura para bem atender os trabalhadores depende do quanto se arrecada e se tem em caixa", avaliou.

Por fim, a Conalis conclui que não deve haver interferências.

"A Conalis advoga que a intromissão do empregador ou de terceiro na cobrança da contribuição assistencial tem o intuito de enfraquecer o sindicato e impedi-lo de atuar bravamente na defesa dos direitos dos trabalhadores. Como é o sindicato quem tem o poder/dever de negociar coletivamente os direitos dos trabalhadores e de convocar a categoria para uma eventual greve, é essencial que o MPT combata os atos dos empregadores ou terceiros que tenham a finalidade de enfraquecer o legítimo representante dos trabalhadores", reforçou o órgão à reportagem.


Descumprimento

A Recomendação informa as medidas cabíveis ao Ministério Público para o cumprimento da orientação. No caso de descumprimento, o órgão poderá instaurar inquérito civil, propor TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) ou, ainda, ajuizar ACP (Ação Civil Pública), com objetivo de obter a proteção do direito tutelado.









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