A pejotização é a nova face da precarização do trabalho

Brasília-DF, terça-feira, 21 de outubro de 2025


Brasília, terça-feira, 21 de outubro de 2025 - 15:43

A pejotização é a nova face da precarização do trabalho


Por: Marcos Verlaine*

Decisão do STF sobre a pejotização pode redefinir o conceito de trabalho no Brasil — e colocar em risco a própria estrutura da proteção social.

Pedro Ventura/Agência Brasília

A audiência pública realizada no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a pejotização revelou o núcleo do impasse deixado pela Reforma Trabalhista de 2017: o conflito entre o direito social e o avanço da lógica de mercado sobre o trabalho humano.

Leia também:
Pejotização: falso empreendedorismo que ameaça o trabalho e a proteção social

Reforma Trabalhista: 8 anos de retrocessos travestidos de modernização

O Supremo está em cena. É o “dono da bola” neste momento. Mas o trabalhador não pode ser a “bola da vez”.

O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, tem diante de si mais que um processo jurídico. A decisão dele tocará o próprio alicerce da cidadania no Brasil: o reconhecimento de que o trabalho não é mera mercadoria — é direito e valor civilizatório.


Da modernização à precarização
Sob o discurso da “modernização” e da “flexibilização”, eufemismo que significa retirar direitos, a pejotização vem se consolidando como forma de redução de custos e evasão de direitos.

Empresas contratam profissionais não mais como empregados, mas como pessoas jurídicas — expediente que elimina 13º, férias, FGTS, contribuição previdenciária e qualquer traço de estabilidade social.

O vínculo de emprego desaparece; o trabalhador é empurrado à condição de “prestador de serviço”.

Na aparência, trata-se de autonomia. Na realidade, é a precarização institucionalizada — o desmonte do Direito do Trabalho construído ao longo de quase 1 século.


Números da desproteção
Os dados mostram o tamanho do abismo. Segundo a Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e o IBGE, o País perdeu 12% dos contratos formais nos últimos 5 anos, enquanto as formas “alternativas” de vínculo cresceram rapidamente.

Hoje, mais de 25 milhões de brasileiros sobrevivem em condições precárias: motoristas de aplicativo, entregadores, professores, jornalistas e técnicos. A suposta liberdade da pejotização esconde o fato de que a maioria vive sem direitos, sem segurança social e sem renda estável.


Trabalhador não é empresa
A pejotização transfere o risco do negócio para o trabalhador, e assim rompe o princípio fundamental da relação de trabalho: a subordinação.

Se alguém depende de um único contratante, cumpre ordens, segue metas e horários, não é empresário — é empregado. Quem tem de arcar com o custo do negócio é o dono do negócio. É relação de troca, em que o dono custeia e o trabalhador vende a força de trabalho dele.

A forma jurídica não pode se sobrepor à realidade material do trabalho. Como ensina a clássica doutrina trabalhista, “o contrato não cria o fato social; apenas o reconhece”.


Fenda previdenciária
Além de desproteger o trabalhador, a pejotização corrói o sistema de Seguridade Social, que sustenta a Saúde Pública (SUS)1, a Previdência Social (INSS)2 e a Assistência Social3.

Ao reduzir as contribuições sobre a folha, o modelo compromete a sustentabilidade da Previdência e empurra milhões para a contribuição mínima, individual e irregular, que enfraquece o sistema e vulnera o conceito de Previdência, que é prevenção para os momentos de infortúnios.

O resultado é duplo: menos arrecadação para o Estado e mais insegurança para quem trabalha. O risco da velhice, da doença e do desemprego volta a ser problema privado — exatamente o que o sistema público buscou superar ao longo do século 20.

Ou seja, essa “modernidade” que apregoam é falsa, porque na verdade trata-se de um “grande salto para trás”. É a volta ao passado, que outrora havia sido superado com a materialização dos direitos.


O que está em jogo no Supremo
O julgamento no STF será decisivo. Se a Corte considerar legítima a pejotização ampla, estará legalizando a precarização estrutural do trabalho.

Será um marco de ruptura — o momento em que o Estado, em vez de proteger o trabalhador, passará a sancionar juridicamente a vulnerabilidade desse sujeito, sem direitos, sem perspectivas e sem futuro.

O Brasil corre o risco de redefinir o que é trabalho e quem é trabalhador. A dúvida que paira, ao fim e ao cabo é: queremos um país de cidadãos ou de prestadores de serviço descartáveis?


Sentido social do trabalho
O trabalhador não é empresa. É sujeito de direitos, produtor de riqueza, pilar da economia real. Reduzi-lo a um CNPJ é negar sua humanidade, apagar o valor social do trabalho e corroer a base moral sobre a qual se ergue o Estado Democrático de Direito.

O trabalho organiza o trabalhador como sujeito social, econômico e político. Transformá-lo em empresa tem o objetivo de desmantelá-lo como esse sujeito.

A verdadeira modernização não é a que enfraquece o trabalho, mas a que o valoriza — com direitos, dignidade e reconhecimento.


Em defesa do trabalho como valor civilizatório
O que será do trabalhador se a pejotização for chancelada pelo STF?

A resposta pode nos levar de volta ao século 19, quando o trabalho era apenas mercadoria, e o trabalhador, número sem rosto.

A sociedade brasileira precisa decidir se aceita esse retrocesso. Esse grande salto para trás da vida humana.

Proteger o trabalho é proteger o futuro — é afirmar que a democracia começa, de fato, no reconhecimento de quem trabalha como sujeito de direitos, e não como custo empresarial.

 

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap

______


1 Garantida pelo SUS, cujo princípio é a universalidade, ou seja, acesso à saúde pública e gratuita para todos os cidadãos, sem necessidade de contribuição direta.

2 Seguro social para o trabalhador, que garante renda em casos de inatividade, como aposentadoria, doença, acidente, maternidade e morte. Sistema de caráter contributivo, gerenciado pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em que os benefícios são pagos aos que contribuem e seus dependentes.

3Direcionada a quem dessa necessitar, independentemente de contribuição. Objetivo é apoiar indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade, risco social ou pessoal. O BPC (Benefício de Prestação Continuada), por exemplo, é uma das principais ações.

 









Últimas notícias

Notícias relacionadas



REDES SOCIAIS
Facebook Instagram

Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar em Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal

SCS Quadra 1, Bloco K, Edifício Denasa, Sala 1304,
Brasília-DF, CEP 71398-900 Telefone (61) 3034-8685
recp.saepdf@gmail.com