A farsa das “vítimas do comunismo”

Brasília-DF, sábado, 25 de outubro de 2025


Brasília, sexta-feira, 24 de outubro de 2025 - 19:22

A farsa das “vítimas do comunismo”


Por: Marcos Verlaine*

Ao sancionar lei delirante, governador do DF embarca no revisionismo bolsonarista e transforma ideologia em política de Estado.

Foto: Carlos Gandra/ Agência CLDF
Projeto de lei de autoria do deputado Thiago Manzoni (PL) foi aprovado pelos distritais da CLDF no dia 30 de setembro.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), sancionou lei que cria o “Dia das Vítimas do Comunismo”. A decisão seria apenas risível, não fosse trágica.

O ato é mais uma tentativa de importar para o Brasil o discurso paranoico da extrema-direita, que vê fantasmas vermelhos onde há apenas cidadania, diversidade e pensamento crítico. Trata-se, pois, de delírio travestido de lei.

Trata-se de iniciativa sem base histórica, sem sentido jurídico e sem propósito público.

O “comunismo”, como força política organizada, jamais governou o Brasil e sequer existe ou existiu no mundo — tampouco perseguiu e/ou matou quem quer que fosse em nome de algum projeto de poder.

Logo, a lei não apenas ignora a realidade: inventa narrativa ou discurso para sustentar guerra ideológica imaginária e cultural.

Trata-se da ignorância consentida e orgulhosa.

Exportação da paranoia: modelo americano
A inspiração não é nova. Em 2017, o então presidente Donald Trump instituiu nos Estados Unidos o National Day for the Victims of Communism, data simbólica criada durante a Guerra Fria para reforçar o medo do “inimigo vermelho”.

Desde então, a extrema-direita global recicla essa narrativa, transformando o anticomunismo em plataforma de desinformação e controle cultural.

A iniciativa do governador do DF segue o mesmo roteiro: gesto performático, sem efeito prático, mas com alto valor político entre grupos bolsonaristas que vivem da invenção de ameaças e da negação do presente e da realidade.

Abraço ao bolsonarismo
Ao sancionar a medida, o governador abraça abertamente o bolsonarismo cultural, aquele que tenta reescrever a história e substituir o debate democrático por slogans de ódio.

Não é coincidência: essa retórica serve como distração conveniente diante da ausência de políticas efetivas de segurança, cultura e inclusão social no DF.

A adesão ao extremismo simbólico — com lei esdrúxula e vazia — mostra mais do que oportunismo político. É sintoma de uma elite local que teme o pensamento e desconfia da liberdade.

Reação digna
Diante dessa cena constrangedora, o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, pediu demissão, num gesto raro de coerência. É simbólico que justamente o responsável pela área cultural — espaço de diálogo, reflexão e pluralidade — não aceite compactuar com o negacionismo travestido de lei.

Sua saída reforça a denúncia de que a política pública no DF caminha para a instrumentalização ideológica, algo que ameaça a autonomia cultural e o ambiente democrático.

Qual “comunismo”?
Cabe a pergunta inevitável: que comunismo é esse do qual o governador quer “proteger” a população?

O que há no Brasil é desigualdade, exclusão e desinformação — problemas reais que não se resolvem com fantasmas ideológicos.

Enquanto isso, a extrema-direita cria inimigos imaginários para evitar enfrentar os desafios concretos da sociedade: fome, desemprego, moradia e educação. Aqui e alhures.

Essa retórica do medo serve a um propósito claro: substituir a razão pelo ressentimento e a política pelo populismo reacionário.

Entre o autoritarismo e o ridículo
Medidas como essa banalizam o sofrimento histórico real — o de vítimas de ditaduras e regimes totalitários, inclusive o brasileiro. Ao falsear a memória, o poder público comete duplo erro: despreza a verdade e desonra as vítimas autênticas da violência de Estado.

O Brasil, que ainda busca justiça pelos crimes da ditadura militar, não pode tolerar que governantes promovam leis que deseducam, distorcem e manipulam a história nacional.

Contra a loucura e a manipulação do poder
Em tempos de fake news e populismos morais, é urgente reafirmar o valor da memória e da razão pública. O combate a essas “loucuras legais” deve vir do debate informado, da cultura e da educação crítica — e não do silêncio.

O caminho contra o obscurantismo é simples, embora difícil: ensinar história, valorizar a cultura, defender a ciência e proteger a democracia.

Como lembrava Paulo Freire, “a educação não transforma o mundo. A educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.

E, como advertia Darcy Ribeiro, “a crise da educação no Brasil não é uma crise: é um projeto.”

Combater o delírio das “vítimas do comunismo” é, portanto, ato de resistência e lucidez — contra a ignorância que se disfarça de patriotismo e o poder que se traveste de moral.

 

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap









Últimas notícias

Notícias relacionadas



REDES SOCIAIS
Facebook Instagram

Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar em Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal

SCS Quadra 1, Bloco K, Edifício Denasa, Sala 1304,
Brasília-DF, CEP 71398-900 Telefone (61) 3034-8685
recp.saepdf@gmail.com