Brasília, terça-feira, 12 de novembro de 2024 - 19:3
Jornada 6x1: PEC resgata debate da redução da jornada e faz máscaras caírem
Proposta apresentada pela deputada Erika Hilton (PSol-SP) gera nova discussão sobre efeitos de possível alteração de 44h para 36h ou 32h de trabalho como jornada laboral
O SAEP já destacou (aqui e aqui) alguns direitos vitais que foram assegurados aos trabalhadores na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) graças à luta sindical. Salário mínimo, licenças-maternidade e paternidade, férias remuneradas, 13º salário, entre outros, representam conquistas derivadas da mobilização e união dos trabalhadores, no contexto do movimento sindical.
A jornada de 44 horas semanais ou 8 horas por dia também é uma vitória da luta sindical, inserida na Constituição de 1934 e também na de 1988. O descanso semanal remunerado veio um pouco depois, em 1949. Fixou-se a escala 6x1 — quando o trabalhador tem direito a 1 dia de descanso para cada 6 trabalhados.
Essa foi a tendência mais aceita na época. Com o passar dos anos, o tempo dedicado ao trabalho voltou a ser discutido em diversos países. Diante das evoluções tecnológicas e nesse mundo em frequentes transformações, rotinas pesadas típicas do período industrial deram espaço às atividades e funções mais dinâmicas.
Com novos tipos de trabalhos, a sociedade contemporânea passou a ter, também, novas demandas e novos mecanismos para executá-los, como a internet e a IA (Inteligência Artificial). Outro fator de mudança está na urgência de temas como os ligados ao desenvolvimento sustentável.
A população também ganhou espaço de voz independente. Por meio da internet, cidadãos discutem e reivindicam direitos de maneira mais ativa e autônoma. E foi o que ocorreu, recentemente, no Brasil, em relação à jornada laboral 6x1.
Proposta 4x3
O debate iniciado por meio das redes digitais pelo movimento VAT (Vida Além do Trabalho) ganhou impulso com a PEC (proposta de emenda à Constituição) apresentada pela deputada Erika Hilton (PSol-SP), na Câmara dos Deputados.
A proposta, sem síntese, defende jornada não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais, em 4 dias de trabalho por semana. E o VAT lançou petição on-line, que já soma mais de 2 milhões de assinaturas de brasileiros a favor da mudança.
No texto, a parlamentar aponta a viabilidade da escala 4x3 — quando o trabalhador tem direito a 3 dias de descanso para cada 4 trabalhados — e destaca ser essa tendência global. Solução à escala atual, que consome tempo de vida e causa exaustão física e mental.
Impacto econômico que a redução teria
Na justificativa, Erika Hilton cita haver resistências — por parte de setores sociais — à ampliação dos direitos trabalhistas já conquistados. Hilton citou estudo da economista da Unicamp Marilane Teixeira para propor novo olhar sobre o impacto econômico que a redução de jornada teria e elencou tópicos como impulsionamento da economia, geração de emprego, renda e redução de desigualdades.
“Os avanços de qualquer redução da jornada de trabalho foram conquistados no âmbito das negociações coletivas de trabalhos, num contexto de mobilizações que conseguiram furar o bloqueio patronal e negociar. Contudo, sob análise da redução de jornada legal de trabalho, compreende-se que, no marco da Constituição de 1988, em que o tempo de trabalho foi reduzido de 48h para 44 semanais, as outras grandes alterações na legislação do tempo de trabalho favoreceram os empresários em detrimento dos trabalhadores, como aconteceu em 2017”, ressaltou Erika Hilton, em referência à Reforma Trabalhista promovida no governo Michel Temer (MDB), de triste memória para os trabalhadores.
Leia a íntegra da proposta da deputada do PSol.
Debate antigo
Não é de hoje que a sociedade discute, no mundo, a necessidade de redução da jornada de trabalho. Tanto que o tema foi tratado ainda na ANC (Assembleia Nacional Constituinte), que elaborou a Constituição Federal de 1988. E, na chamada “Constituição Cidadã”, a jornada foi reduzida de 48 para 44 horas semanais.
Anos depois, diversos parlamentares levaram às Casas do Congresso Nacional propostas com o mesmo teor: redução da jornada de trabalho, sem redução de salário. Agora, de 44 horas para 40 horas. As proposições estão em “compasso de espero” nos escaninhos das casas do Congresso — Câmara e Senado.
Tramitação e aprovação
Na Câmara dos Deputados, a PEC de Hilton quase ficou despercebida. Até que, na última semana, o assunto dominou as redes digitais e chamou a atenção de veículos de imprensa, que noticiaram o teor e os impactos da proposta.
Foi dada a largada para maratona de convencimentos entre parlamentares, em busca de, no mínimo, 171 assinaturas para viabilizar a discussão da matéria, no âmbito, inicialmente, da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). O que se vê é, claramente, a tradução da importância dos movimentos sociais coletivos para defender direitos e melhoria de vida para as pessoas.
Até o fechamento desta reportagem, o número de assinaturas para endossar a proposta era de 134 parlamentares.
Caso seja habilitada para iniciar a tramitação, a PEC passará por processo de deliberação e votação, inicialmente na CCJ. Caso seja admitida pela comissão técnica, em seguida discute-se o mérito do texto, em comissão criada para tal, chamada de especial. Aprovada nessa comissão especial vai a votos em 2 turnos em cada Casa, sendo necessários, no mínimo 308 votos, ou 3/5 de votos favoráveis de deputados e 49 de senadores para a aprovação.
A proposta só é aprovada, definitivamente, e vai à promulgação (sanção do Congresso) quando as 2 Casas legislativas aprovarem, ipsis literis, o mesmo texto.
Tendência do mundo em disrupção
Para muitos países, a jornada de 4 dias já é realidade. Reino Unido, Alemanha, Portugal, Espanha, Islândia e Bélgica já testam o modelo de semana reduzida.
Os avanços tecnológicos e o amplo leque de atividades possíveis de executar, por meio da internet e com uso da robótica, são fatores de maior produtividade e que permitem que trabalhadores dediquem de 32 a 36 horas semanais ao trabalho, até mesmo em modalidade remota, ficando o restante do tempo livre para conviver com a família e dedicar-se a projetos pessoais.
O progresso tecnológico também tem sido incentivado no Brasil. Nos últimos anos, o setor corporativo se rendeu ao brilho sedutor da automação e, agora, da IA (Inteligência Artificial).
É Alexa pra cá, Chat GPT pra lá… Não se fala em outra coisa!
Revolução do mundo em transformação — inclusive o do trabalho —, que tem reflexos no mercado laboral. Debater abertamente e coletivamente sobre a redução da jornada é ponto fundamental dessa evolução, o que coloca o Brasil no centro desse novo modelo de relações de trabalho, para a construção de futuro.
Por coerência, cabe aos parlamentares e aos empregadores brasileiros permitirem o acesso dos trabalhadores a essas transformações já tão presentes no mundo.
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