Brasília, terça-feira, 28 de janeiro de 2025 - 19:13 | Atualizado em: 30 de janeiro de 2025 - 12:35
Escravidão contemporânea: identificar e combater
No Dia nacional de Combate ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas, SAEP reforça importância de reconhecer práticas e denunciar os responsáveis
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A exploração da força de trabalho ainda ocorre no ambiente doméstico, rural e até mesmo com crianças e adolescentes. Por isso, “é fundamental conceituar o que, na atualidade, configura essa prática e como ela ocorre, para fortalecer o combate”, defende a presidente do SAEP, Maria de Jesus da Silva.
Entre julho e agosto de 2024, a ação conjunta “Operação Resgate IV” retirou 593 trabalhadores da situação de “escravo contemporâneo”. Em 2023, foram 532. A iniciativa conta com equipes do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), MPT (Ministério Público do Trabalho), MPF (Ministério Público Federal), DPU (Defensoria Pública da União), PF (Polícia Federal) e PRF (Polícia Rodoviária Federal).
Foi ainda no 1º governo do presidente Lula (PT) que surgiu a chamada “Lista Suja”: cadastro de empregadores acusados de submeter trabalhadores a trabalho escravo. O documento tem atualização periódica e pode ser consultado no portal do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).
Suspeitas de trabalho escravo podem ser denunciadas pelo Disque 100. A ligação é gratuita e o relato pode ser anônimo.
Interpretação nos tribunais
No entendimento do Judiciário brasileiro, a exploração é configurada na situação laboral na qual a pessoa é reduzida à condição análoga à de escravo. De 1995, ano que o Brasil adotou essa interpretação, até 2023, o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas no Brasil registrou 61.035 pessoas resgatadas. Foram, em média, 2.104 por ano.
Crime previsto no CP (Código Penal) brasileiro, a conduta mobiliza sociedade, na luta por conscientização, e tribunais, que possuem atribuição para responsabilizar e punir. Última instância, o STF (Supremo Tribunal Federal) já tem entendimento sobre os impactos do que chamou de “escravidão moderna”.
A "escravidão moderna" é mais sutil do que a do século 19 e o cerceamento à liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa, e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa "reduzir alguém à condição análoga à de escravo". [Inq 3.412, rel. min. Marco Aurélio, red. do ac. min. Rosa Weber, j. 29-3-2012, P, DJE de 12-11-2012.]
A Corte ainda vai decidir se o entendimento é válido para outros processos similares.
Nem sempre é assim. No livro “Trabalho Escravo Contemporâneo: Conceituação, Desafios e Perspectivas” (2018), a doutora em Direito Mariana Armond Dias Paes analisou 107 casos em que a configuração de exploração foi relativizada.
O reconhecimento era condicionado aos moldes do regime escravista vivenciado até o século 19. Com isso, o rol elencado no artigo 149 do CP acabava afastado.
A pesquisa de Mariana revelou que em 50 processos houve condenação de pelo menos 1 dos réus. Nos demais 57, todos foram absolvidos. Magistrados se apoiavam na tendência à gradação do tipo de abuso ou precariedade, sendo aceita a acusação quando caracterizada a total sujeição da pessoa ou presença de mais de 1 elemento do artigo 149.
Houve situação em que a precariedade foi considerada como natural do ambiente, com alegação de que era usado até pelo empregador.
“Nesses processos, as decisões levaram em consideração outros elementos, que não estão expressamente previstos no tipo, quais sejam: necessidade de sujeição absoluta da vítima ou completa supressão de sua vontade”, descreveu à época a pesquisadora.
Na lei
Sobre situação análoga à de escravo, o artigo 149 do Código Penal elenca o seguinte:
• submeter a trabalhos forçados;
• jornada exaustiva;
• em condições degradantes;
• com restrição de locomoção em razão de dívida;
• cercear o uso de qualquer meio de transporte;
• reter o trabalhador no local de trabalho;
• vigilância ostensiva no local de trabalho; e
• reter documentos ou objetos pessoais do trabalhador, para retê-lo no local.
Para as condutas, é prevista multa e pena variável de 2 a 8 anos, que pode ser aumentada em caso de crime praticado contra criança, adolescente ou por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
“Ela é da família…”
Resgatada e devolvida. Este é o caso de Sônia Maria de Jesus, encontrada em 2023 na casa de desembargador, em Florianópolis (SC), após mais de 40 anos de servidão.
A descoberta de Sônia marcou a luta pelo combate ao trabalho escravo na contemporaneidade. Questionado, o desembargador alegou que, devido aos anos de convivência, Sônia era considerada membro da família.
A investigação apurou que Sônia foi trabalhar para familiares do juiz quando tinha 9 anos, em 1982. Surda, ela não teve acesso à educação. Segundo a Defensoria Pública, não se sabe se ela recebia atendimento médico. Nas fotos de família, ela não estava.
Realizava trabalhos domésticos e dormia em quarto separado da casa principal. Trabalhava de domingo a domingo. O primeiro documento de identidade foi expedido em 2019, quando ela já tinha 45 anos.
Dois meses após o resgate, o Judiciário determinou o retorno de Sônia para a mesma casa onde vivera, por anos, alheia ao mundo e escravizada. O caso aguarda decisão do STF, após recurso da Defensoria Pública, em pedido pelo afastamento de Sônia dessa família.
“Mãe preta” sem salário
Em maio de 2022, a operação resgatou senhora de 86 anos, que há 72 trabalhava em casa de 1 mesma família, no Rio de Janeiro (RJ). Foram mais de 7 meses de investigações.
Para eles, ela era a “mãe preta”. Então, os serviços seriam colaboração familiar com o lar, não trabalho. Por isso, não pagavam salário a ela.
Logo após a operação da Superintendência Regional do Trabalho do Rio e MPT, a senhora, que não foi identificada, revelou nutrir sentimento de gratidão e se mostrou preocupada em voltar para a casa, pois teria que cuidar da empregadora, idosa com problemas de saúde.
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