Brasília, segunda-feira, 8 de setembro de 2025 - 12:20
A “morte por desespero” no Brasil: face oculta do neoliberalismo
Por: Marcos Verlaine*
O conceito de “morte por desespero”, desenvolvido por Anne Case (Universidade de Princeton) e Angus Deaton (Prêmio Nobel de Economia de 2015), analisa o alarmante crescimento de mortes causadas por suicídio, overdose e doenças hepáticas relacionadas ao álcool — sintoma de profundo esgarçamento psicossocial

Lançado em 2020, o livro Deaths of Despair and the Future of Capitalism já se consolidou como best-seller, e desperta debate urgente sobre o impacto das políticas neoliberais na vida humana.
No Brasil, mesmo que o contexto tenha suas particularidades, o diagnóstico de Case e Deaton encontra forte ressonância — sobretudo quando analisado com lente crítica ao neoliberalismo, que prioriza o capital e o mercado em detrimento da vida e do trabalho digno.
Precarização do trabalho e informalidade estrutural
As contrarreformas neoliberais — como a Trabalhista de 2017 (Lei 13.467) e a da Previdência (EC 103/19) — fortaleceram a informalização e a precarização das relações profissionais.
No caso da EC 103/19, a contrarreforma produziu efeitos devastadores no acesso aos benefícios previdenciários. As consequências são: dificuldade para acessar os benefícios, porque a chamada reforma foi estruturada para alongar a vida laboral — idade mínima — antes da aposentadoria, com benefícios menores e por menos tempo — vida útil e saudável.
Os benefícios são menores, porque houve mudanças no cálculo do valor da aposentadoria. Antes da EC 103/19, o cálculo era baseado em 80% dos maiores salários de contribuição. Após a reforma, a base de cálculo passou a ser 100% da média de todos os salários de contribuição, o que geralmente resulta em valor menor de benefício.
Embora o desemprego, em 2024, tenha sido o menor da série histórica (6,6%), quase 39% dos trabalhadores estão em situação informal. Portanto, sem direito ou acesso aos benefícios previdenciários.
Esse modelo gera insegurança, renda instável e esvazia o sentido de pertencimento social.
Acesso crescente, mas fragilizado, à medicação psicotrópica
Pesquisas mostram que cerca de 4% da população brasileira utiliza antidepressivos — proporção que chega a 12% entre as mulheres, conforme revisão sistemática até 2023.
As vendas dos mesmos aumentaram de forma expressiva entre 2014 e 2019, com uso intensificado durante a pandemia, especialmente de medicamentos como escitalopram e clonazepam.
Esses dados evidenciam que a população adoecida tenta dar respostas individuais aos problemas que têm raízes sociais, políticas e estruturais.
Subfinanciamento crônico do SUS
Essa situação se agrava, na medida em que o Estado brasileiro enfrenta forte limitação fiscal para atender à crescente demanda por saúde. Em 2024, o SUS (Sistema Único de Saúde) contou com apenas 4,4% do Orçamento da União, apesar de atender, gratuitamente, cerca de 75% da população.
Estudo da IFI (Instituição Fiscal Independente) alerta que o Brasil precisaria dobrar os gastos com saúde para alcançar o padrão da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) — algo inviável dentro do atual arcabouço fiscal.
Além disso, o déficit em cobertura e eficiência gera filas de espera de até 700 dias para algumas especialidades e desperdícios expressivos, como 58,7 milhões de doses de vacinas descartadas.
Trabalho instável, perda de sentido e falta de perspectiva
A lógica produtivista neoliberal transformou o trabalho em mero fator de subsistência, corroendo sua função social.
Contratos intermitentes, trabalho por aplicativos e informalidade estruturada tipificam esse cenário.
Esses modelos operam sem proteção ou vínculo, e contribui para o esvaziamento da esperança e do pertencimento coletivo.
Abordagem política e solidariedade coletiva
As “mortes por desespero” não são fatalidades inevitáveis, mas sim o resultado extremo de escolhas políticas. É preciso:
· Reverter a austeridade e ampliar investimentos em saúde, educação e assistência social;
· Fortalecer o SUS, especialmente com foco em atenção primária, saúde mental, prevenção ao suicídio e dependência química;
· Garantir trabalho decente, com estabilidade e direitos, em lugar de informalidade forçada; e
· Fomentar redes comunitárias, a fim de resgatar laços sociais e sentido de pertencimento.
Custo da ausência de humanidade
No Brasil, a austeridade neoliberal não só aprofunda a desigualdade, mas também rouba o futuro de muitos cidadãos.
A “morte por desespero” representa o limite extremo de sistema que prioriza lucros em vez de vidas. O desafio civilizatório é reconectar dignidade, saúde e esperança — e recompor sociedade capaz de prover mais do que mera sobrevivência.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
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