Setembro amarelo: qual relação pode ser feita entre capitalismo e uma 'epidemia de depressão'?

Brasília-DF, domingo, 24 de novembro de 2024


Brasília, quinta-feira, 26 de setembro de 2024 - 19:27

Setembro amarelo: qual relação pode ser feita entre capitalismo e uma 'epidemia de depressão'?


Por: Radioagência Brasil de Fato     |    

Pesquisador Elton Corbanezi faz uma linha do tempo revelando como avanço do sistema econômico afetou saúde da população

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Para pesquisador, ponto fundamental para lidar com o problema é entender como a lógica neoliberal intensifica a crise de saúde mental

Em 2022, quando o Brasil e o mundo ainda enfrentavam a crise sanitária provocada pela covid-19, universidades e pesquisadores começaram a publicar estudos mostrando o que seria o início de uma "segunda pandemia", desta vez relacionada à saúde mental.

Um estudo publicado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) mostrou um aumento significativo de ansiedade e depressão entre 2020, antes do início da disseminação do vírus no Brasil, e 2022. Casos de depressão saltaram de 4,2% para 19%. Já a ansiedade foi de 4,7% para 30%. Foram mais de 2,6 mil pessoas entrevistadas para elaboração dos dados.

A mesma pesquisa afirma que "refuta a associação entre o distanciamento social e sintomas de depressão e ansiedade. Os dados revelam que não houve diferença, para esse diagnóstico, entre as pessoas que permaneceram no ambiente domiciliar a maior parte do dia, com saída para atividades essenciais (como comprar alimentos), e as que estavam fora de suas casas, majoritariamente". 

Em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (24), o sociólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Elton Corbanezi, autor do livro Saúde mental, depressão e capitalismo, concorda que a "pandemia acelerou o aumento dos transtornos psiquiátricos, ou, falando de maneira mais ampla, do sofrimento psíquico". 

No entanto, o pesquisador pondera: "O fato é que há uma série de estudos, inclusive da OMS [Organização Mundial da Saúde], mostrando um aumento significativo dos transtornos mentais e do sofrimento psíquico, que já era uma curva. Ela [a pandemia] intensificou bastante esse processo social."

Para Corbanezi o ponto fundamental para lidar com o problema, portanto, é entender como a lógica neoliberal intensifica a crise de saúde mental.

O especialista faz uma linha do tempo trazendo o que dizia o psicanalista Sigmund Freud, na virada do século 19 ao 20, sobre os efeitos da era industrial sobre o indivíduo. 

"Antigamente, tínhamos o que no campo da sociologia chamamos de um capitalismo fordista, um capitalismo disciplinar, muito bem mostrado no filme Tempos Modernos do Chaplin [Charles, ator britânico], em que o corpo é chamado à obediência, o horário, o espaço, tudo absolutamente controlado. Isso é o capitalismo industrial", afirma Corbanezi.

O pesquisador explica que ao longo do século houve, porém, uma série de mudanças sobre a forma do capitalismo influenciar a sociedade, "mas não houve uma ruptura em termos de que o capitalismo permanece". 

"Não é mais o modelo da obediência institucional disciplinar. É muito mais um modelo da liberdade individual, da autonomia, e isso pesa sobre o indivíduo hoje", diz. 

"Hoje, pensando no capitalismo de plataforma, não basta dar o suficiente, tem que ser sempre excelente, sempre tem que ser mais. As avaliações têm que ser sempre excedentes. Num capitalismo, que valoriza essa performance, essa excelência, é sintomático que a categoria de depressão acompanhe", avalia.  

Para exemplificar, o pesquisador cita o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM), documento para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los. O Manual é usado por clínicos e pesquisadores de todo o mundo, bem como por companhias de seguro, indústria farmacêutica e parlamentos políticos. 

Lançado oficialmente na década de 1950, o documento já recebeu cinco edições. Corbanezi explica que cada nova versão foi reduzindo o período indicado de afastamento para pessoas que sofrem de luto por conta da perda de uma parente, por exemplo. 

"O que podemos perceber é que a duração, frequência e intensidade são cada vez mais significativamente reduzidas. Por exemplo, no DSM-4, o luto normal, quando a pessoa perde um ente querido, poderia ter uma duração de até dois meses. Do DSM-4 para o DSM-5, isso foi objeto de muita discussão pública inclusive, essa duração do luto foi reduzida de dois meses para duas semanas." 

Para o professor, isso é um efeito evidente da mudança que a transformação do capitalismo vem aplicando em diversos aspectos da sociedade. 

"É nesse sentido que eu procuro fazer uma relação com o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, sobretudo após os anos 1970 e 80, quando [ocorreu] a ascensão do neoliberalismo como algo global e os processos de neoliberalização", afirma o pesquisador. 

"De maneira geral, temos a produção de um esgotamento total, um esgotamento dos recursos naturais e um esgotamento de recursos psicológicos subjetivos. Tudo mobilizado para que um determinado modelo de sociedade, socioeconômico e cultural, funcione."

 

Publicação original do portal da Rádio Brasil de Fato.









Últimas notícias

Notícias relacionadas



REDES SOCIAIS
Facebook Instagram

Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar em Estabelecimentos Particulares de Ensino no Distrito Federal

SCS Quadra 1, Bloco K, Edifício Denasa, Sala 1304,
Brasília-DF, CEP 71398-900 Telefone (61) 3034-8685
recp.saepdf@gmail.com