Brasília, terça-feira, 3 de junho de 2025 - 16:3
A anistia aos golpistas é teratológica
Edição: Marcos Verlaine*
A Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania aprovou, por unanimidade, dia 22, o pedido da ex-presidente Dilma Rousseff para ser reconhecida como anistiada política, em razão das violações de direitos humanos que sofreu durante a ditadura militar — 1964 a 1985.

Ela também vai receber indenização, em parcela única, de R$ 100 mil — o teto desse benefício.
Eis que depois deste fato, o bolsonarismo recauchutou e quer fazer parecer que ganhou “aliado” novo para a causa da extrema-direita brasileira sobre o debate em torno da anistia — na verdade, impunidade — para os golpistas do 8 de janeiro de 2023.
A anistia de Dilma nada tem a ver com a tentativa de aprovar impunidade travestida de anistia — perdão — para aqueles que tramaram contra a democracia e o Estado de Direito, cujo ápice foi a invasão e depredação, na Praça dos Três Poderes, das sedes do governo (Palácio do Planalto); Poder Legislativo (Câmara e Senado); e Poder Judiciário (STF).
A anistia aos golpistas — na verdade, impunidade — é teratológica, porque trata-se do perdão àqueles que não perdoariam ninguém se tivessem tido êxito no projeto de golpear a democracia brasileira.
Qual a diferença
A anistia da ex-presidente se deu porque ela, nos chamados “anos de chumbo”, lutou para restaurar a democracia brasileira, com eleições livres e universais, imprensa livre e poderes republicanos — Legislativo, Executivo e Judiciário — em pleno funcionamento.
Em razão disso, Dilma foi presa em 1970 pelo crime de “subversão” — em razão da militância dela nos grupos de esquerda que se opunham à ditadura civil-militar —, e submetida a torturas em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, segundo o portal “Memórias da Ditadura”1, mantido pelo Instituto Vladimir Herzog.
Isso parece simples de compreender, já que com o resgate da democracia, o povo brasileiro, desde 1985, pode usufruir de liberdades políticas que foram usurpadas pela ditadura, que durou 21 anos.
Ou seja, Dilma foi anistiada e indenizada porque lutou contra a ditadura e por isso foi presa e torturada pelo regime de exceção.
Quanto à anistia aos golpistas, a teratologia “mora aí”, eles querem perdoar aqueles que intentaram contra a democracia e o Estado de Direito, isto é, o oposto do que levou à anistia da ex-presidente. Daí, conclui-se que o bolsonarismo não quer perdão, mas impunidade.
Em contexto jurídico, “teratologia” refere-se às decisões judiciais ou atos administrativos que são considerados absurdos, incompatíveis com a lógica, o bom senso ou as normas jurídicas, e que se afastam significativamente dos princípios e fundamentos jurídicos estabelecidos. É, em suma, forma de descrever decisões que são consideradas “monstruosas”, “anormais” ou “extravagantes” no âmbito do direito.
Essa impunidade não é nova. Remonta, mais recentemente a 1979, quando os militares golpistas, torturadores e assassinos, que restaram do regime agonizante impuseram e aprovaram a Lei da Anistia.
Lei da Anistia
A Lei da Anistia, ou Lei 6.683, sancionada em 28 de agosto de 1979, pelo regime militar, é marco histórico do Brasil, pois concedeu — de forma ampla, geral e irrestrita — perdão para os crimes políticos e conexos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
Essa lei restabeleceu os direitos políticos de quem se opôs à ditadura militar, permitiu o retorno de exilados e afrouxou o estado de exceção para os partidos que haviam sido proscritos, em particular os partidos comunistas. E claro, perdoou, principalmente, as barbaridades cometidas pelos militares no exercício do poder político e no combate à “subversão”.
Impunidade para os golpistas
Eufemisticamente chamado de anistia, o PL da impunidade ganhou nova versão, mas mantém a essência, que ao fim e ao cabo tem o propósito de liberar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para disputar as eleições de 2026.
A nova versão do texto apresentado pelo líder do PL (Partido Liberal), deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), concede perdão aos condenados pelos atos golpistas. O texto alternativo restringe o perdão apenas para “pessoas físicas que tenham participado diretamente das manifestações” de 8 de janeiro.
A nova versão da tentativa de impunidade aos condenados pelo crime de abolição do Estado Democrático de Direito prevê que a salvaguarda não exclui a responsabilização civil pelos danos causados ao patrimônio público, e nem afasta as multas aplicadas aos envolvidos nos crimes.
Na justificativa da proposta, o líder do PL argumenta que “não se pode admitir que manifestações, pacíficas ou não, sejam interpretadas como tentativa de golpe de Estado, sob pena de, a cada alternância de poder, condenarmos manifestantes contrários ao governante da ocasião à cadeia por supostamente atentarem contra à Democracia”.
Marotamente, o líder do PL esqueceu a chamada trama golpista, que começou em 2022, e envolvia o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Esqueceu também a tentativa de explodir o aeroporto de Brasília, às vésperas do Natal. E, ainda, o terror praticado pelos apoiadores de Bolsonaro, no centro da capital, no dia da diplomação de Lula no TSE.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
________________
1 Dilma Rousseff - Biografias de Resistência - https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/dilma-rousseff/ - acesso em 28.05.25
Publicação original de Agência Diap
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