Brasília, sexta-feira, 29 de abril de 2016 - 14:41
OPINIÃO
O impeachment e sua agenda oculta: uma ponte para o passado
Por: Marcos Verlaine*
Três elementos objetivos levam a crer que um governo do PMDB, pós-impedimento da presidente Dilma, não terá outro destino senão cortar ainda mais, ou extinguir, despesas com a agenda social em curso. O primeiro é o programa apresentado pelo partido em outubro passado, intitulado ´Uma ponte para o futuro´. E por mais que falem o contrário, reforça essa tese a composição das forças políticas e sociais que sustentam a campanha pelo impeachment, que deverão compor o novo governo, se a presidente da República for de fato afastada do cargo pelo Senado.
E se ainda restar alguma dúvida sobre essa agenda, basta lembrar o conteúdo das proposições em tramitação no Congresso que ameaçam direitos, que é ampla e majoritariamente apoiada por aqueles deputados e deputadas que admitiram o impeachment, em 17 de abril na Câmara.
O documento — demonstra não se tratar de ´chute´ ou propaganda difamatória contra o partido do vice-presidente — ´Uma ponte para o futuro´ expressa em forma e conteúdo a agenda regressiva que querem implantar num governo sob a égide do PMDB.
A agenda é mais que um aceno para o mercado para acalmá-lo, é a concepção de governo que será implantada pelo vice-presidente se for levado à cadeira presidencial no Palácio do Planalto. É uma agenda regressiva porque remonta à década de 90, com políticas que levaram ao empobrecimento do povo, com um salário mínimo, por exemplo, que chegou ao final dos anos 90 e início de 2000, a míseros R$ 151 mensais, R$ 5,03 a diária e R$ 0,69 a hora.
Apenas uma década e meia depois, o mínimo mais que quintuplicou, chegando ao valor atual de R$ 880, cuja diária é R$ 29,33 e a hora R$ 4. Muito longe do valor (R$ 3.736,26) estimado pelo Dieese, em março. Mas, mais próximo da realidade econômica atual.
Conteúdo do programa
A Agência Sindical veiculou, e tomei emprestada, abordagem bastante didática e sintética do programa antissocial e antitrabalhista do PMDB, nos quesitos relações trabalhistas, política do salário mínimo, retorno das privatizações do patrimônio público e políticas sociais. Acrescentei a terceirização, pois receberá amplo apoio no Congresso, já tendo sido aprovada pela Câmara.
Terceirização
´Regulamentar o ambiente institucional dos trabalhadores terceirizados melhorando a segurança jurídica face ao passivo trabalhista potencial existente e a necessidade de regras claras para o setor´. Essa agenda regressiva, junto com a ´Agenda Brasil´, sugerida em agosto de 2015 pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quer aprovar, por exemplo, entre outros temas, a terceirização, nos moldes propostos pelo PLC 30/15 (PL 4.330/04, na Câmara).
Negociado sobre a lei
´Na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos´. É a volta do negociado sobre a lei. Inclusive já há projeto de lei em tramitação na Câmara sobre essa matéria.
Indexação do mínimo
´É indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício ao valor do salário mínimo´. Acabar com a política de valorização e atualização do salário mínimo. Símbolo de profundas transformações sociais e econômicas mundiais ocorridas no século 20, o salário mínimo completou, em julho de 2015, 75 anos de vigência no Brasil com o maior poder de compra dos últimos 30 anos. Há 11 anos, a política de reajuste do piso nacional pelo governo federal vem corrigindo distorções históricas e é hoje o maior responsável pela melhoria da qualidade de vida e o aumento da renda do trabalhador. O aumento real na última década foi de 76,5%.
Privatizações
´Política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio da transferência de ativos, que se fizerem necessárias´. Privatização de empresas vitais para o desenvolvimento do País, tais como Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios, entre outras.
Políticas sociais
´O Brasil gasta muito com políticas públicas´. Extinção das políticas públicas de transferência de renda, como o Bolsa Família, Prouni, Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida, entre outros.
Forças políticas e sociais de oposição
O centro político e social — PSDB, DEM, PPS, SD e Fiesp — de oposição, agora reforçado pelos egressos da base governista, desde sempre foram contra a agenda social do governo. Pararam de se posicionar mais abertamente em oposição às políticas sociais porque, sobretudo nos momentos eleitorais, essa posição tira votos.
Essas forças políticas e sociais — cujas franjas mais radicalizadas são setores dos estratos médios dos grandes centros urbanos — expressam com clareza e desdém a contrariedade em relação a essas políticas públicas.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) pontifica esse entendimento. Para ele, ´Não há dúvida que mudará. O conjunto de forças políticas que está sustentando essa ascensão de Temer ao poder tem uma visão diferente dessa visão mais desenvolvimentista´, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico, na edição dos dias 23, 24 e 25 de abril.
E acrescentou: ´Quem se mobilizou para que meio que revogar os resultados eleitorais de 2014 foi um segmento da elite que defende o Estado mínimo, ajuste fiscal de qualquer jeito e que acredita que programas sociais são meio excessivos, que, na medida em que houver um dinamismo da economia, isso chegará aos mais pobres. Mas não chega.´
Pode até ser que, guindado à Presidência da República, Temer não leve a cabo essa agenda do passado. Entretanto, isso não seria resultado de uma mudança de concepção, mas de incapacidade de implementá-la, porque sofrerá forte e implacável oposição política, social e sindical. Aguardemos, pois.
(*) Jornalista e analista político.
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