Brasília, sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010 - 15:40
INFÂNCIA ROUBADA
Abuso sexual de crianças ocorre em todos os estratos
Fonte: Agência Brasil
Crimes de abuso sexual contra crianças e adolescentes não têm endereço certo e ocorrem em diversos setores da sociedade. Pobres e ricos são vítimas dessa forma de violência.
"O abuso sexual no Brasil reza missa, dirige culto, é doutor, tem mandato e disputa eleição. Está nos tribunais, no conselho tutelar e na creche. Mora em condomínios, mas também está desempregado. Bebe uísque e cachaça. É a própria cara da sociedade abusando das nossas crianças", diz o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia, senador Magno Malta (PR/ES).
Entretanto, segundo a coordenadora do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), Leila Paiva, quem costuma fazer denúncia de abuso sexual são pessoas das camadas mais pobres.
"A violência sexual não é uma violência de classe. Mas a violência que chega à esfera pública é uma violência de classe", explica Leila, que também é responsável pelo serviço Disque 100, que recebe denúncias de violências contra crianças e adolescentes. "As ´classes´ A e B também têm vítimas, mas não denunciam", destaca a coordenadora.
A psicóloga Karen Michel Esber, autora do livro Autores de Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, alerta para o fato de que os números oficiais não representam o total de casos.
"No silêncio dos muros das casas das classes A e B, ninguém fica sabendo. A denúncia não acontece por medo ou por vergonha. Há mulheres que pensam ´o que eu vou fazer sem esse marido?´. Nas classes populares, há mais visibilidade e a vizinha denuncia para o conselho tutelar".
A titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Brasília, Gláucia Cristina Ésper, confirma que os mais pobres denunciam mais do que as pessoas de classe média ou alta.
"O sexo é um tabu. Quem que as pessoas carentes têm para procurar ajuda? Correm para a porta da polícia. As pessoas com poder aquisitivo maior não querem registrar ocorrência".
Gláucia Ésper destaca a importância de que as pessoas mais pobres tenham acesso a canais de denúncias na própria comunidade. Ela cita o exemplo da DPCA de Ceilândia, cidade a 30 quilômetros de Brasília, que recebe um grande número de registros de abuso.
"A pessoa carente, às vezes sem dinheiro para comer, vai pagar um ou dois ônibus para chegar à Asa Norte [área central de Brasília] para registrar uma ocorrência?"
Para a delegada, a presença e proximidade do Estado nas comunidades mais pobres é fundamental. "A delegacia estando mais próxima, as pessoas procuram mais".
Omissão familiar e precariedade de redes de proteção agravam problema
O abuso sexual é uma forma de exploração que tem raízes históricas e culturais no país. Essa situação, entretanto, tem se agravado por causa da omissão familiar, da precariedade no funcionamento das redes de proteção e da impunidade, apontam diversos especialistas ouvidos pela Agência Brasil.
Na avaliação de psicólogos, a atitude das mães contra o abuso sexual é fundamental.
A psicóloga Mônica Café, pesquisadora do projeto Aldeia Juvenil, que estuda casos de violência sexual, afirma que grande parte dos assédios ocorre em ambiente doméstico, por iniciativa de pais, padrastos, tios e avôs, que contam com a submissão feminina, especialmente em famílias mais fechadas, autoritárias, em que o homem é o dono.
"Ele manda e as pessoas obedecem".
O funcionamento dos conselhos tutelares, aos quais as vítimas e parentes devem recorrer para fazer a denúncia e pedir proteção, também é um problema a ser resolvido. Previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os conselhos já estão instalados em 5,1 mil municípios.
Segundo a coordenadora do Programa de Ações Integradas e Referenciais de Combate à Exploração Sexual Comercial e Tráfico de Crianças e Adolescentes para Fins Sexuais, financiado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Graça Gadelha, esses conselhos têm "problemas de estrutura, funcionamento, capacitação e especialização".
A socióloga propõe que as universidades atuem para qualificar pessoas que possam atender as crianças e adolescentes sob risco (conselheiros, professores e profissionais de saúde).
Além da preparação do pessoal, os especialistas no combate ao abuso sexual, ouvidos durante dois meses pela Agência Brasil, apontam outras soluções para o problema: humanizar o atendimento das vítimas e educar as crianças e os adolescentes para que sejam mais protagonistas, ou seja, saibam evitar e denunciar qualquer forma de abuso.
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