Brasília, quinta-feira, 16 de outubro de 2025 - 12:28
Entre a blindagem e o povo: o erro de prioridade da Câmara
Por: Marcos Verlaine*
Enquanto o Brasil enfrenta problemas urgentes — como violência, desemprego e desigualdade —, a Casa destina R$ 5 milhões à FGV para “melhorar sua imagem”, em vez de olhar para as demandas reais da população.

A decisão da Câmara dos Deputados, presidida por Hugo Motta (Republicanos-PB), de contratar a FGV (Fundação Getulio Vargas) por R$ 5 milhões com o objetivo declarado de “melhorar a imagem da Casa”1, expõe grave contradição que tem sido marca da política brasileira: a distância entre as prioridades do Parlamento e as necessidades concretas da sociedade.
A distância dos representados pelos representantes, que está longe da realidade das demandas mais sentidas do povo.
O problema não está apenas no gasto em si, mas no que este simboliza.
Essa escolha reflete a tentativa de resolver, com verniz técnico e marketing institucional, uma crise que é essencialmente ética e política. É como se a Câmara buscasse operação de cosmética pública para encobrir feridas profundas de representatividade e compromissos social e político.
Diagnósticos contratados
A imagem de uma instituição democrática não se repara com diagnósticos contratados nem com campanhas de reputação. Essa se reconstrói com ação política consequente, transparência, ética pública e escuta social.
O povo brasileiro não desconfia da Câmara porque desconhece as funções da instituição — desconfia porque sente na pele o descompasso e o desconforto entre o que ali se discute e o que se vive fora dos espaços de poder no Congresso — Câmara e Senado.
Enquanto o Parlamento investe milhões para tentar reverter a má percepção de si, o País mergulha em problemas muito mais urgentes: a violência urbana crescente, que mata milhares de jovens e mulheres todos os anos; o desemprego estrutural, que mantém milhões na informalidade; a falta de moradia, que condena famílias inteiras à ocupações precárias; a crise da educação pública, que inviabiliza o futuro de gerações; a desindustrialização, que corrói empregos e renda; e o abandono das políticas culturais e de lazer, fundamentais para a cidadania e a convivência democrática.
Estas são as questões que deveriam mobilizar o Parlamento — e não o medo da impopularidade ou o desejo de autopreservação diante de desgastes institucionais.
“Casa do Povo”
A Câmara dos Deputados é, constitucionalmente, a “Casa do Povo”. Mas, para que essa definição não seja apenas retórica, é preciso que os representantes voltem os olhos para a vida real: o salário que não dá até o fim do mês, a violência que ameaça à integridade das mulheres, a escola que falta no bairro, o hospital que não atende, o transporte que não chega, o lazer que desaparece.
Um Legislativo digno desse nome deveria ser o primeiro a enfrentar as causas da desigualdade, a combater privilégios e a garantir que o desenvolvimento alcance todos, não apenas os grupos econômicos e políticos que orbitam o poder.
O desafio de “melhorar a imagem” da Câmara passa, portanto, por escolha de fundo: ou o Parlamento assume o compromisso de representar o interesse público com coerência e coragem, ou continuará refém da própria bolha. Nenhuma consultoria, por mais renomada que seja, pode mascarar a ausência de compromisso com o País real.
Abrir as portas da Câmara
Mais eficaz do que qualquer diagnóstico técnico seria o gesto simbólico e político de abrir as portas da Câmara para o Brasil profundo — para ouvir trabalhadores, mulheres, jovens, artistas, educadores e comunidades que sobrevivem à margem das decisões oficiais.
A democracia não se fortalece com estratégias de marketing, mas com participação social, políticas públicas consistentes e respeito à cidadania.
Em tempos de descrença generalizada nas instituições, a Câmara deveria entender que a confiança não se compra — se conquista.
E essa conquista só será possível quando a maioria dos seus integrantes se dedicarem, de fato, às causas que afetam a vida de quem trabalha, produz e sustenta o País.
Enquanto isso não ocorrer, os milhões gastos em consultorias e planos de imagem servirão apenas como metáfora do vazio: muito brilho, pouca substância.
É como diria o velho e bom pensador alemão Karl Marx: “Se aparência fosse igual a essência, não precisava de ciência”.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap
1Câmara contrata consultoria para melhorar redes sociais; serviço custará quase R$ 5 milhões - https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/10/15/camara-contrata-consultoria-para-melhorar-redes-sociais-servico-custara-quase-r-5-milhoes.ghtml - Acesso em 16.1025
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